Mesmo com atrasos por conta de eleições e da pandemia, negociações para livre comércio entre Mercosul e Canadá podem estar concluídas até o final de 2021.
Por Estela Cangerana
O acordo de livre comércio com o Canadá deve ser um marco importante para as relações do Mercosul, não apenas pela relevância econômica do mercado, mas também pela evolução nos termos e disciplinas negociados. Será um acordo arrojado, moderno e inclusivo, que elevará os patamares das discussões futuras também, com benefícios para todas as partes envolvidas. Essa é a opinião tanto de partes brasileiras quanto argentinas, as duas maiores economias do bloco sulamericano. Representantes de ambos os países, que participaram recentemente de um webinar sobre o tema, acreditam que o tratado pode estar concluído entre o final de 2021 e o começo de 2022.
“Nossa política de comércio exterior recebeu novo dinamismo a partir de 2017, quando pudemos retomar as conversas com o governo canadense, com nova agenda. Tratamos de disciplinas que antes não falávamos, como comércio indígena, inclusivo, meio ambiente. Ganhamos muita experiência com esses temas e também com os aprendizados a partir da expertise do Canadá em tratados como a CTPP (Parceria Transpacífico Ampla), que são o estado da arte em acordos comerciais. Isso, sem dúvida, nos agrega valor para negociações futuras”, afirmou a ministra Paula Barboza, chefe da Coordenação-Geral de Negociações Comerciais Extrarregionais do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE).
Segundo a ministra, apesar do ritmo do processo ter sido afetado por eleições em alguns dos países envolvidos e pela pandemia da COVID-19, as conversas estão evoluindo bem. “Há alta complementariedade entre nossas economias, com boas oportunidades para todos. Dos 27 grupos técnicos, temos seis concluídos e 21 capítulos a serem negociados. Estamos avaliando os pedidos feitos na última troca de ofertas, em outubro de 2019, e já temos quatro grupos negociadores com reuniões marcadas para este segundo semestre. Acredito que dentro de um ano ou um ano e meio podemos fechar as negociações”, completou.
O diretor nacional de Negociações Econômicas Internacionais do Ministério das Relações Exteriores da Argentina, José María Arbilla, compartilha a mesma opinião. “Temos avançado relativamente rápido em comparação a outras negociações. Queremos um acordo ambicioso, com formato diferente e enfrentamos muitos desafios. Mas o ambiente de trabalho tem sido amistoso e colaborativo. As negociações fluem com facilidade, o que nos deixa otimistas”, disse. “As sensibilidades são baixas e isso é difícil de encontrar. Temos sinergia”, completou.
Oportunidades do agronegócio à indústria
Com a efetivação do acordo, as perspectivas de aumento nos negócios são expressivas. Apenas de exportações agro brasileiras, a alta nas transações deve ser US$ 8 bilhões, após reduções de tarifas. Mas há boas oportunidades em vista também para o setor de industrializados e compras públicas.
“O Canadá despertou o interesse da indústria brasileira desde o início das conversas. O país é o 8º maior importador do mundo, o 6º maior investidor internacional e tem um dos cinco maiores mercados de compras governamentais, com US$ 250 bilhões”, lembrou o gerente de Negociações Internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrizio Sardelli Panzini.
Em 2019, as importações canadenses totais de produtos e serviços somaram cerca de US$ 535 bilhões. No entanto, apesar das exportações do Brasil para lá terem atingido no ano passado a maior receita desde 1997, com US$ 3,4 bilhões, elas ainda estão aquém do seu potencial. O Canadá foi apenas o nono destino das vendas externas brasileiras no período e a corrente bilateral somou US$ 5,6 bilhões.
“Infelizmente temos uma pauta concentrada, mas há picos tarifários importantes que podem ter ganhos ou serem retirados”, ressaltou Panzini, destacando um levantamento que mostra oportunidades para exportação de 336 grupos de produtos brasileiros. Cerca de um terço deles são tarifados pelo Canadá, de acordo com estudos da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). São máquinas e equipamentos, químicos, alimentos e metalurgia, entre outros.
Múltiplos ganhos
“O aumento do comércio com o Canadá será bom para o setor agro e para a nossa indústria também. Podemos ter um ganha-ganha mais fácil. E, com o Canadá, ainda há uma possibilidade muito grande de investimentos”, explicou o professor Roland Saldanha, economista-chefe da Sidera Consult, consultoria especializada em comércio internacional.
Para Saldanha, assim como para o diretor de Comércio Internacional da argentina Quipu Advisors, Federico Lavopa, é positiva também a atenção especial dada a aspectos regulatórios na negociação. “Esses temas são importantes e tem que estar claros na mineração, por exemplo”, afirmou Lavopa. O setor é um dos mais relevantes na relação da Argentina com o Canadá. Cerca de 80% das vendas argentinas para lá são de ouro, o que, por sua vez, corresponde a 40% de todo o ouro vendido ao exterior pelo país.
Na opinião dos especialistas, o acordo Mercosul-Canadá ajudaria tanto Brasil quanto Argentina não apenas no aumento das transações dos grupos de produtos já comercializados e na diversificação da pauta, como também na redução de desigualdades. O Canadá já possui tratados com outros grandes players mundiais do setor agro, por exemplo, o que gera vantagens para esses países nas vendas.
“Miramos não apenas as regras que serão estabelecidas mas também a sua implementação, com o uso racional dos mecanismos para evitar distorções”, destacou o diretor legal de Comércio Internacional do Grupo Techint e conferencista da União Industrial Argentina (UIA), Pablo Strada. Para ele, o caminho para que isso aconteça e o acordo tenha o melhor resultado possível passa pela aproximação entre os setores público e privado e o trabalho conjunto de entidades como as Câmaras de Comércio dos países envolvidos, como Brasil e Argentina.
As declarações dos ministros Paula Barboza e José María Arbilla e dos especialistas Fabrizio Panzini, Roland Saldanha, Federico Lavopa e Pablo Strada foram dadas justamente no webinar Mercosul-Canadá: Oportunidades para Brasil e Argentina, resultado da parceria entre a CCBC e a Cámara de Comercio Argentini-Canadiense (CCAC). O evento contou com a moderação do diretor de Relações Institucionais da CCBC, Paulo de Castro Reis, e do líder do Grupo de Comércio Exterior da CCAC, Augusto Vechio.
Para saber mais:
Assista o webinar completo Mercosul-Canadá: Oportunidades para Brasil e Argentina.