Governança corporativa no Canadá

Missão do IBGC visitará o país em 2021, com apoio da CCBC, para conhecer melhor as peculiaridades do modelo canadense

Por Sérgio Siscaro

O tema da governança tem se tornado cada vez mais central para empresas de todo o mundo, nos mais diferentes ramos de atividade. Desde a década de 1990, quando o conceito de sustentabilidade econômica, social e ambiental passou a se disseminar no mundo corporativo, o tema se tornou crucial não só para a boa imagem das organizações perante a sociedade, mas principalmente para o processo de tomada de decisões de investidores. Um exemplo disso são as cartas anuais nas quais o presidente da gestora global de fundos de investimentos Black Rock, Larry Fink, ressalta a importância da responsabilidade corporativa.

O Canadá é um dos países que mais tem se destacado na adoção de práticas corporativas responsáveis, voltadas ao atendimento às necessidades dos diversos stakeholders das organizações, e com forte participação dos órgãos reguladores do mercado de capitais. Assim, com a finalidade de disseminar no Brasil as práticas de governança corporativa adotadas no Canadá, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) prepara uma missão para o país. A iniciativa, que integra seu programa de jornadas técnicas ao exterior para conhecer como o tema é abordado em outros países, conta com a parceria da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC), estava prevista para ocorrer em junho de 2020. Em razão da pandemia do novo coronavírus, a missão foi adiada para junho do próximo ano.

De acordo com o coordenador do grupo de estudos do IBGC sobre o Canadá, Ricardo Lamenza, a intenção dessas jornadas técnicas é o de buscar boas práticas, estudá-las e analisar como podem ser adaptadas para o contexto brasileiro. “É uma via de mão dupla: também discutimos nossas experiências positivas nessas missões”, afirma. Iniciado em 1998, o programa de viagens a outros países para conhecer seus modelos de governança corporativa já visitou Alemanha, Austrália, Cingapura, Estados Unidos, Finlândia, França, Israel, Reino Unido e Suécia, além do território de Hong-Kong, na China. A missão ao Canadá envolverá duas turmas, somando cerca de 80 participantes.

 

Parceria com a CCBC
Lamenza conta que, pela parceria com a CCBC, esta será responsável pela estruturação do programa de atividades da missão no Canadá, que abrangerá as cidades de Montreal e Toronto, além de identificar as organizações que poderão ser contatadas na ocasião. “A CCBC foi uma das primeiras instituições com as quais entramos em contato para estruturar essa jornada técnica. Também conversamos com a cônsul-geral do Canadá em São Paulo, Heather Cameron.”

O responsável pela área de Desenvolvimento de Negócios da CCBC, Arminio Calonga Jr., acrescenta que a parceria também inclui a participação em um grupo de estudos, em conjunto com a comissão internacional do IBGC, cujo objetivo é analisar as boas práticas de governança do Canadá – inclusive aquelas relacionadas ao combate à Covid-19. “É uma ótima forma de constatar como aquele país foi capaz de aprimorar sua governança em um cenário de pandemia, e também de estudar possíveis aplicações no Brasil também”, acrescenta.

Esse grupo de estudos gera parte do conteúdo da série de seis seminários online promovidos ao longo de 2020 pelo IBGC, reunindo associados e representantes do mercado, com a finalidade de divulgar no Brasil as características do modelo canadense de governança corporativa.

 

Evolução constante
A fim de preparar antecipadamente seus associados para a viagem ao Canadá, o IBGC promoveu, no início de agosto, um webinar intitulado Desenvolvimento da governança corporativa no Canadá, no qual se tratou da preocupação do país com a adoção de regras claras de governança corporativa. Uma característica peculiar do modelo canadense é que, ao contrário do adotado nos Estados Unidos, busca evitar o desenvolvimento de uma cultura de litígios judiciais; no lugar disso, estimula a cooperação entre autoridades do poder público, entidades da iniciativa privada e associações profissionais. Juntas, elas estabelecem a regulamentação mais adequada para cada setor, levando em consideração as demandas e necessidades das diversas partes interessadas.

Um componente importante para o aprimoramento desse sistema de “stakeholder capitalism” é a legislação corporativa do Canadá – que, no ano passado, foi atualizada por meio do Business Corporations Act. Ele recomenda o envolvimento ativo dos conselhos de administração das empresas na abordagem de temas caros à governança corporativa – como direitos humanos e corrupção. “A legislação do Canadá tem se tornado mais sofisticada. Eles se baseiam na experiência de casos negativos do passado para continuar aprimorando as regras”, afirma Lamenza. Um desses exemplos é o escândalo da mineradora Bre-X, de 1997; a empresa teve uma grande valorização de suas ações com a divulgação da descoberta de jazidas de ouro na Indonésia, que se provaram falsas – o que levou a uma série de mudanças na regulamentação do setor.

Essa preocupação está também bastante presente no mercado de capitais canadense, uma vez que aumenta cada vez mais a pressão da sociedade para que as empresas divulguem suas informações sobre temas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês). As bolsas TSX e TSX Venture Exchange, de Toronto, também têm demonstrado avanços nesse sentido, por meio e programas de treinamento em governança para as empresas listadas e a aderência a grupos internacionais, como a Sustainable Stock Exchange Initiative da Organização das Nações Unidas (ONU).

“As boas práticas do Canadá são bastante interessantes para o Brasil, e incluem desde a cooperação entre as esferas pública e privada quanto o estímulo à diversidade nas empresas e à valorização dos aspectos ligados ao meio ambiente na governança”, afirma Calonga. Outro importante diferencial que ele aponta é a presença do tema da governança não apenas nas empresas já estabelecidas, mas também nas startups. “Este é outro ponto que mostra como o modelo canadense pode ser uma referência para nós no Brasil.”

O coordenador do IBGC acrescenta que um dos objetivos da jornada técnica do IBGC ao país é o de comprovar se o alto nível educacional canadense seria uma das razões pela qual o modelo de governança corporativa daquele país é mais sustentável. “Além de se destacar em termos de inovação, o Canadá apresenta alto nível de progresso social, é aberto à imigração, tem uma educação forte e dispõe de estrutura para atrair e reter talentos”, finaliza.