O professor e cientista político Murillo de Aragão compartilha com os associados da CCBC suas perspectivas para a política e a economia do Brasil – e para a retomada pós-Covid
Por Sérgio Siscaro
O momento atual vivido pelo Brasil gera uma série de incertezas sobre a capacidade do país em retomar o rumo do crescimento econômico no futuro. À crise sanitária trazida pela pandemia da Covid-19, com seus impactos sobre a atividade econômica, somam-se o continuado encolhimento no nível de atividade econômica e os sobressaltos trazidos pela crise política. “O túnel é bastante longo, mas há luz no final”, pondera o cientista político Murillo de Aragão, que expôs seus pontos de vista sobre a conjuntura política e econômica brasileira no seminário virtual Cenários políticos e perspectivas para o Brasil, promovido pela Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC) em 15 de abril. Na ocasião, ele respondeu a perguntas do jornalista Carlos Raíces e dos associados da CCBC que participaram do evento.
Aragão é atualmente presidente da consultoria Arko Advice Pesquisas, e tem larga trajetória como comentarista político, advogado e professor. É autor dos livros Grupos de Pressão no Congresso Nacional (1992), Reforma Política: O Debate Inadiável (2014), Parem as Maquinas (2017) e Ano Zero: Reflexões sobre a Política e a Economia no Pós-Pandemia (2020) – o último escrito no momento em que a pandemia chegava ao país. “Na época eu já tratava do assunto em minha coluna da revista Veja. O que se via era que o Brasil foi à ‘guerra da Covid’ como a França foi à Segunda Guerra Mundial: desorganizado, sem convicção, e com um receituário incompleto para enfrentar um problema que tinha dimensões sanitária, social e econômica”, afirmou.
Para ele, o país deixou de aproveitar a crise trazida pelo novo coronavírus para tratar de questões essenciais, como saneamento básico, urbanização de comunidades e ampliação da oferta de empregos. “Poderíamos ter feito como os Estados Unidos durante o New Deal [programa de reformas realizado na década de 1930]. Mas houve completa desorganização e irresponsabilidade. O Brasil, como um todo, errou muito”, avaliou.
Mesmo diante desse cenário, Aragão acredita que, com a superação da atual crise sanitária, o Brasil terá condições objetivas de retomar o crescimento a partir de tendências que vêm se cristalizando. “Um dos aspectos positivos que podemos esperar é o desempenho do sistema financeiro. Temos visto o aumento no número de investidores no mercado de capitais – resultado da política monetária que tem sido adotada, e que não deve ser revertida. Além disso, há espaço para se duplicar o crédito imobiliário no país. A governança exercida pelo Banco Central tem sido também um aspecto positivo”, disse Aragão, acrescentando ainda as oportunidades em infraestrutura e no setor agrícola.
Cenários para 2022
Aragão também abordou as possibilidades abertas para as próximas eleições presidenciais – que teria como principais competidores o atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “O cenário ainda se encontra em aberto por conta da indefinição a respeito dos efeitos da pandemia na economia no segundo semestre. Esse desempenho não se refere apenas à taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), mas também à velocidade dessa retomada e à ‘sensação térmica’ que ela causará na sociedade.”
Ele ressalta, contudo, que a eleição presidencial do próximo ano será bastante diferente daquela de 2018 – que tinha como “fato novo” a escalada de revelações surgida a partir das atividades da Operação Lava-Jato. “Em 2022, o grande fato será a pandemia e os possíveis estragos políticos causados pela CPI da Covid. Bolsonaro tem uma grande capacidade de resiliência; se a situação caminhar para uma melhoria, ele poderá consolidar sua posição e ter condições de disputar o segundo turno”, disse.
Aragão também falou aos participantes sobre os papéis do Centrão e dos militares no governo Bolsonaro. “A inabilidade política do presidente levou ao impasse com o Congresso, e então ele decidiu negociar com os partidos políticos – e mudar sua atitude, antes crítica, com relação ao Centrão. Ele ainda não está sendo tutelado pelo Centrão, mas é aliado do grupo; mas, se sua popularidade cair, o Centrão poderá exigir uma tutela maior do governo, mais espaço, e eventualmente abandonar Bolsonaro.” Com relação às Forças Armadas, o cientista político descarta qualquer tentativa de controle do Executivo. “Os militares são a instituição que mais pensou o Brasil ao longo do século XX. Não vejo risco de ruptura [institucional].”
Relações internacionais
Aragão vê as relações entre Brasil e Canadá como bastante positivas. “Já tivemos disputas comerciais, mas isso já foi resolvido, e hoje as relações entre os dois países se dão em diversos níveis. São relações muito positivas, de confiança, e de investimentos – tanto canadenses no Brasil quanto brasileiros no Canadá”, avaliou. Ele também considerou positivamente as relações do Brasil com os Estados Unidos, apesar de “uma certa tensão na superfície”.
Com relação à preservação do meio ambiente, cuja condução pelo governo brasileiro tem sido alvo de severas críticas internacionais, o presidente da Arko ressaltou que, ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil nunca rompeu com os organismos multilaterais. “O Brasil terá uma postura cooperativa nesses fóruns, mais alinhada com o que tinha no passado – ainda que não exatamente igual. Quanto ao desgaste da imagem do país no exterior, não vejo uma melhoria no curto prazo; outros países continuarão a usar a questão ambiental para bater no Brasil, como é o caso da França.”
Para Aragão, a entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é questão de tempo. “O mundo vive hoje uma tendência de valorizar aspectos relacionados a compliance; para o Brasil, seguir as regras da OCDE constituiria um importante diferencial [competitivo]. Acredito que, seja qual for o candidato que ganhe as eleições presidenciais de 2022, o ingresso do país na OCDE continuará no horizonte”, afirmou.