Capital Resiliente
No Brasil e no Canadá, os venture capitals vêm crescendo nos últimos anos, cada um à sua moda
Por Claudia Mancini
Brasil e Canadá são economias quase do mesmo tamanho e, nos últimos anos, com investimentos crescentes dos venture capitals (VCs), que se mostraram resilientes mesmo durante a pandemia de covid-19. Para os VCs, entretanto, há algumas distinções entre esses mercados, como no apoio dos governos ao ecossistema de startups. Daniel Chalfon, sócio da brasileira Astella Investimentos, e Prashant Matta, sócio da canadense Panache Ventures, falam sobre essas similaridades e diferenças nas entrevistas abaixo.
Daniel Chalfon,
sócio da Astella Investimentos
Quais as principais características do venture capital no Brasil?
O mercado cresceu muito nos últimos anos. Nunca houve tanta estrutura e dinheiro para o empreendedor [em 2021, os investimentos de VC somaram US$ 9,8 bilhões, e em 2019, US$ 3,6 bilhões]. O venture capital incentiva o empreendedor a empreender e o investidor a investir dinheiro no ecossistema. Os recursos no Brasil, entretanto, ainda são baixos. Nos Estados Unidos, equivalem a cerca de 0,6% do PIB, 11 vezes mais do que no Brasil.
Em quais estágios de investimento estão os VCs do Brasil? Os fundos são muito dependentes de investidores estrangeiros?
O Brasil é um ecossistema bem forte até a série B [da fase do investimento anjo até quando a startup começa a acelerar seu negócio], com diversos fundos e aceleradoras. Agora, é necessário construir o investimento de estágio avançado. Como o jogo do early stage é local e o do late stage é global, quem busca investimento pós-série B precisa buscar fundos globais. Como a classe de ativos é relativamente nova por aqui, ainda não deu tempo de construir o late stage.
Qual é o cenário das startups-unicórnio no Brasil?
O Brasil também tem suas startups-unicórnio, como a 99 (transporte de passageiros), a Nubank (banco digital), a Quinto Andar (imóveis) e a Arco Educação (educação). Mas ser unicórnio é algo relativo. Muitos tiveram queda de receita, e é possível que, em outro contexto, não recebessem essa avaliação. Do ponto de vista da atração de capital, porém, é importante e um feito notável, sendo uma empresa privada no Brasil. Em relação às IPOs (initial public offerings), a bolsa de valores do Brasil (B3) ainda tem empresas de modelos antigos, da década de 1990, como bancos incumbentes e petróleo. As IPOs de quem teve investimento de VC têm acontecido principalmente no exterior.
Qual tem sido o papel do governo no ecossistema de startups e VCs do Brasil?
É um grande erro do governo não focar mais uma área que resolve duas questões: criação de emprego e criação de empresas que geram os maiores valores do mundo. O Brasil não é amigável a VCs na legislação, embora tenha melhorado com o marco legal das startups. Nos Estados Unidos, por exemplo, a lei de falência prevê incentivos à abertura de conta bancária, mas aqui alguns preferem investir num fundo imobiliário ou na bolsa, que não geram emprego.
Como a pandemia de covid-19 afetou o ecossistema?
Eventos macroeconômicos afetam pouco o investidor de early stage. Não investimos em nada que precise dar certo em seis meses — nosso prazo é longo, de sete a dez anos. Numa crise, entretanto, buscamos ver as mudanças que transformarão as sociedades. Um exemplo hoje é a telemedicina.
Em suas análises de investimentos, a Astella leva em conta ESG?
De um modo geral, a sociedade brasileira está atrasada em relação ao tema ESG [sigla em inglês para “governança ambiental, social e corporativa”], e o venture capital não é exceção. Quanto ao tema ambiental, especificamente, o tipo de atividade em que investimos não tem grande impacto nessa área, mas sempre que há oportunidade nós a analisamos profundamente.
Prashant Matta,
sócio da Panache Ventures
Quais as principais características do venture capital no Canadá?
O ecossistema tecnológico do Canadá passou por um crescimento significativo nos últimos dez anos. O que continua a alimentar esse segmento é o talento excepcional dos empreendedores, o acesso ao capital privado, uma expansão do movimento de exits e o apoio do governo. O ano de 2019 foi especial, com 6,2 bilhões de dólares canadenses em capital investido pelos venture capitals — um recorde. Em 2020, apesar da queda, o setor teve o segundo maior resultado, com 4,4 bilhões de dólares canadenses.
Em quais estágios de investimento estão os VCs do Canadá? Os fundos são muito dependentes de investidores estrangeiros?
Há muitos fundos de VC bem estabelecidos no Canadá, em diferentes estágios e setores. Estamos vendo também um aumento do número de fundos dos Estados Unidos e de outros países investindo aqui, o que é um bom sinal da força do setor de tecnologia canadense. Acredito, porém, que haja uma lacuna nos primeiros estágios do ciclo de investimento, os pré-série A.
Qual é o cenário das startups-unicórnio no Canadá?
Temos visto, entre os unicórnios, vários exits de sucesso e saídas, inclusive por meio de IPOs — por exemplo, Shopify (software para comércio eletrônico), Lightspeed (software para pontos de vendas e comércio digital) e Verafin (plataforma para detecção de fraudes). A expectativa é vermos um aumento do número de IPOs e de M&A nos próximos anos. Assim como no Brasil, startups do Canadá também buscam o mercado dos EUA para IPOs.
Qual tem sido o papel do governo no ecossistema de startups e VCs do Canadá?
As agências dos governos, tanto do federal quanto dos provinciais, vêm desempenhando um papel importante no apoio ao ecossistema tecnológico. Políticas como créditos de impostos para pesquisa e desenvolvimento (P&D), programas de vistos para startups e a Venture Capital Catalyst Initiative [pela qual o governo federal investe em fundos de VCs que investirão em startups] têm sido bem-sucedidas na atração e retenção de talentos e investimentos no Canadá.
“Políticas como créditos de impostos para pesquisa de desenvolvimento, programas de vistos para startups e a Venture Capital Catalyst Initiative têm sido bem-sucedidas na atração e retenção de talentos e investimentos no Canadá”
Como a pandemia de covid-19 afetou o ecossistema?
Mesmo tendo sofrido queda em 2020, as atividades ligadas ao capital de risco permanecem acima dos níveis de 2018. O ecossistema de tecnologia do Canadá foi resiliente: vimos um aumento dos investimentos em e-commerce, saúde, fintechs e edtechs, por exemplo.
Em suas análises de investimentos, a Panache Ventures leva em conta a ESG?Certamente. ESG é uma área importante de investimento para nós. Um exemplo disso é que já investimos numa tecnologia que ajuda pequenos negócios a aumentar sua eficiência energética. E continuamos a avaliar outros investimentos nessa área.
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