camelos vão mais longe que unicórnios
Startups do tipo camelo, mais fortes e resistentes, desafiam a cultura das empresas de rápida valorização — os unicórnios do Vale do Silício
por Claudia Mancini
Alex Lazarow tem um pé no Vale do Silício e outro nos quatro cantos do mundo. Canadense de Winnipeg, mora em San Francisco (Califórnia) e dá aulas de empreendedorismo e investimentos de impacto social no Middlebury Institute of International Studies, em Monterey. Por telefone e internet — por causa da pandemia —, ele conversa com startups para encontrar aquelas que, ao mesmo tempo, tenham soluções tecnológicas criadoras ou transformadoras de mercados, sejam gerenciadas por times qualificados e deem bons retornos ao fundo Cathay Innovation, onde trabalha.
Nessas andanças, Alex costuma vir ao Brasil, onde já investiu em plataformas como o GuiaBolso, de produtos financeiros, e o banco digital Neon, quando ainda trabalhava na Omidyar Network, investidora em projetos com retornos financeiros e sociais. Com essa visão global, ele percebeu que a filosofia de unicórnios do Vale do Silício, um mantra no mundo das startups, ofusca a metodologia bem-sucedida dos empreendedores de outras regiões, as quais ele chama de “fronteiras”. Nestas, imperam as startups-camelo, que vivem com muito menos dinheiro do que suas primas do Vale, criam indústrias e são gerenciadas, desde o início, para durar muito. Para mostrar que essas histórias também são fontes de sabedoria, Alex resolveu escrever seu primeiro livro, Out-Innovate — How Global Entrepreneurs from Delhi to Detroit are Rewriting the Rules of Silicon Valley, ainda sem previsão de lançamento no Brasil. Nesta entrevista à Explore, Lazarow conta mais sobre suas conclusões, que questionam a filosofia do pedaço considerado mais inovador do mundo.
O que o levou a escrever um livro que desafia as práticas do Vale do Silício?
Eu sempre me interessei pela interseção entre inovação, investimento e impacto. Sou um venture capitalist investindo em todo o mundo, incluindo mercados emergentes como o Brasil. Além disso, sou professor de empreendedorismo numa escola internacional, com muitos alunos que, como eu, são de fora do Vale do Silício. Os empreendedores ao redor do mundo vivem em ecossistemas diferentes, jogam com outras regras e são bem-sucedidos porque têm estratégias diferentes. Como ninguém contava suas histórias, decidi escrever: entrevistei 200 empreendedores ao redor do mundo, de algumas das maiores startups, de mercados emergentes e de outros ecossistemas, como Chicago e Amsterdã.
E o que você descobriu sobre essas startups de fora do Vale do Silício, em regiões que você chama de “fronteiras”?
Descobri que elas não estão apenas desafiando a sabedoria convencional das melhores práticas do Vale do Silício, mas também reinventando as melhores práticas de startups de múltiplas formas. O que é incrível, porém, é que os empreendedores que operam em Toronto, Amsterdã, Bangalore ou Nairóbi têm mais em comum com os de São Paulo do que com os de San Francisco. Há aí uma enorme oportunidade para a fertilização cruzada de ideias.
Qual a diferença entre as startups-unicórnio e as do tipo camelo, como você chama as que operam nas “fronteiras”?
A palavra unicórnio tem vários sentidos, incluindo uma startup que atinge o valor de 1 bilhão de dólares, mas não fica só nesse número: ela vem com uma bagagem, uma filosofia, que é crescer a qualquer custo, subsidiar as compras dos consumidores e o crescimento rápido do serviço. Meu livro é uma reação à realidade das startups que estão fora do Vale do Silício. Os empreendedores nesses locais não usam esse tipo de abordagem. Eles constroem empresas sustentáveis desde o início, negócios mais resilientes, e gerenciam os gastos desde o começo. Essa é a estratégia das startups-camelo: elas querem não só crescer e impactar as indústrias e países em que operam, mas fazer isso com sustentabilidade e resiliência desde o início.
O valuation não deve ser então o foco das startups?
O objetivo não deve ser a avaliação do valor (valuation), mas ter um impacto significativo nos consumidores e criar um grande negócio.
Como a pandemia de covid-19 muda esse cenário, se é que muda?
Quando comecei o livro, estava indo contra essa metodologia do Vale do Silício de crescer a todo custo. Isso funciona para aquele 1% das startups que são fundadas com recursos de venture capital (VC), em que o vencedor (o mercado) leva tudo. Só que, para os 99% que não têm investimento de VC em dólar, essa metodologia não faz sentido. Com a pandemia de covid-19, todo mundo, mesmo no Vale do Silício, está falando mais sobre sustentabilidade e resiliência. De repente, empreendedores de todos os cantos estão querendo construir modelos de negócios mais fortes e de longo prazo.
“Empreendedores desejam construir modelos de negócios mais fortes e de longo prazo. Há startups que oferecem ao investidor participação na receita, como alternativa ao venture capital”
E qual vai ser o resultado desse processo de mudanças?
Os melhores empreendedores dos mercados emergentes estão criando mercados e de alto impacto, e não fazendo disrupção, que é outra regra do Vale do Silício. Menos de 20% dos unicórnios do Vale estão em indústrias que conectam serviços, como agricultura ou saúde. Nos países emergentes, esses números são muito maiores. Veja o caso do Brasil, e sua força de serviços de conexão de serviços de saúde, por exemplo. O período pós-covid vai desnudar muitos desafios, mas também grandes oportunidades para os empreendedores através de modelos de negócios e inovação tecnológica.
Que tipos de financiamentos alternativos podem surgir?
O modelo dos VCs é baseado em participação acionária. Mais de 1 milhão de startups receberam esses recursos. Se olharmos para a indústria de mineração, também é financiamento de alto risco, mas num modelo de royalties. Estamos começando a ver algumas startups ao redor do mundo fazendo financiamento com participação na receita, como alternativa ao venture capital. A A55 [plataforma digital de empréstimo para startups por meio de antecipação de faturamento] faz isso no Brasil; o Clearbanc, de Toronto, dá financiamento com participação em receita, ajudando as startups a se financiar de maneira alternativa. Vamos também continuar a ver o crescimento dos financiamentos pelos consumidores, como os crowdfundings. Vai haver startups continuando a crescer a todo custo por causa da dinâmica do mercado e das escolhas que fundadores e parceiros fizeram. Mas vamos ver uma maior gama, uma miríade de companhias que mais e mais serão camelos e serão centradas tanto no Vale como em outros lugares do mundo.
Como está posicionado o Canadá no ecossistema de startups?
Está muito bem posicionado para o futuro da inovação, por uma série de razões: grandes talentos no ecossistema de startups e o surgimento não só de VCs, mas também de modelos alternativos de financiamento. No livro, falo ainda das estratégias que alguns empreendedores canadenses estão tomando para construir seus negócios. Além disso, o governo tem feito um trabalho inteligente em relação à imigração, recebendo pessoas de fora para atuar no ecossistema. Claro que a covid-19 afetou o cenário, mas vamos ver mais desse movimento ao longo do tempo.
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