Pandemia agravou problemas como depressão e ansiedade, que tiveram que ser tratados virtualmente, em modelo que o Canadá usa desde os anos 1990
Por Estela Cangerana
A pandemia silenciosa dos transtornos de saúde mental foi amplificada pela de COVID-19, que trouxe uma barreira a mais: a impossibilidade do atendimento especializado presencial aos pacientes. Transtornos de ansiedade e depressão, por exemplo, cresceram vertiginosamente. Os dados são alarmantes, mas, ao mesmo tempo, o agravamento da situação também trouxe a oportunidade de expansão de um sistema que pode ser muito funcional para o Brasil pós-confinamento: o atendimento psicológico virtual. O modelo, que já funciona com solidez no Canadá, ganha espaço cada vez maior por aqui.
“Já sabíamos que a saúde mental seria uma epidemia do século 21, mas agora, com o coronavírus, aumentou muito essa prioridade”, afirma o doutor Rogério Rabelo, coordenador da Comissão de Inovação em Saúde da CCBC e sócio-diretor da Dalben Home Care. “O acesso online a suporte nessa área é fundamental para o tratamento dos pacientes”, completa.
O atendimento virtual se tornou a alternativa mais viável para minimizar as angústias do distanciamento. “O ser humano é um ser social, precisa de interação e vínculo com outras pessoas. O isolamento gera um impacto emocional e mental intenso, o medo e a ansiedade aumentam. Na volta às atividades, também observamos muito medo, pessoas com transtornos emocionais e aumento nos casos de burnout, que é o esgotamento mental e emocional”, explica a psicóloga e cybercounsellor certificada pela Universidade de Toronto Milene Rosenthal, co-fundadora da plataforma de psicoterapia online Telavita. A startup é pioneira no setor no Brasil e viu sua demanda se multiplicar com a pandemia.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a depressão a doença mais incapacitante do mundo e o Brasil, desde antes da pandemia, contabiliza uma quantidade expressiva de ocorrências. São quase 12 milhões de pessoas com o problema e, ainda segundo a OMS, somente 10% delas procuram ajuda. Isso coloca o Brasil como o país de maior incidência da doença na América Latina e o segundo maior nas Américas, atrás apenas dos Estados Unidos.
Além disso, o Brasil ainda é considerado pela OMS a nação mais ansiosa do planeta, com aproximadamente 19,4 milhões de pessoas apresentando problemas como fobias, transtorno obsessivo-compulsivo, estresse pós-traumático e ataque de pânico, entre outros.
Mercado de trabalho
No dia a dia das empresas, os impactos são grandes. Se antes do coronavírus a depressão já era o terceiro maior motivo de afastamento de profissionais nas organizações, agora o problema recebe contornos ainda mais drásticos. A oferta de suporte psicológico – especialmente online para quem está em home office – se tornou elemento essencial do negócio.
“Entre maio e junho deste ano, observamos um pico de utilização pelos nossos colaboradores dos serviços de ajuda”, afirma a country HR na Bombardier no Brasil, a psicóloga Flavia Vieira. A companhia disponibiliza a telepsicologia de forma preventiva, como parte do plano médico para os funcionários e suas famílias, somada a outras iniciativas virtuais. “A digitalização cresceu demais e as ferramentas de telepsicologia foram muito bem aceitas. Elas vieram para ficar.”
Na agência Chelles & Hayashi Design, o uso de instrumentos digitais também foi vital para a continuidade dos trabalhos e o bem estar dos colaboradores. “A psicologia nesse processo de robotização atende a necessidade de conexão entre as pessoas”, destaca o sócio do escritório, Gustavo Chelles, lembrando o ditado Zulu que diz que “uma pessoa só é uma pessoa através de outras pessoas”.
Pioneirismo
O atendimento virtual na área da saúde mental que cresce no Brasil segue um movimento iniciado no Canadá na década de 1990. A primeira clínica virtual do mundo foi criada por um professor da Universidade de Toronto, em 1994. É de lá, também, o trabalho científico que comprovou a efetividade do método, em 1998. A instituição de ensino é, até hoje, uma referência global no setor.
O método é aplicado por todo o país e oferecido gratuitamente pelo governo canadense a seus cidadãos. “No Canadá, a saúde é 100% pública e saúde mental está incluída. O governo reconhece que estamos passando por uma crise de mental health e criou programas para atender essa necessidade da população”, afirma a CEO e co-founder da GC5 Trading, a brasileira Maria Carolina Hack, que mora no Canadá.
Por meio do portal público Wellness Together (https://ca.portal.gs/) é oferecido suporte mental 24 horas por dia, sem nenhum custo, a qualquer cidadão do país. “Sinto o apoio muito próximo do governo a todos nós, o que é muito importante, ainda mais para profissionais que atuam em pequenas empresas que não têm estrutura própria para isso e pessoas expatriadas, como eu”, conclui.
Para saber mais:
Rogerio Rabelo, Milene Rosenthal, Flavia Vieira, Gustavo Chelles e Maria Carolina Hack falaram sobre o tema durante o webinar Telepsicologia: uma inovação canadense para o Brasil, organizado pela Comissão de Inovação em Saúde da CCBC. Para assistir o debate completo, clique em https://youtu.be/EEmYwoEJorg.