Encontro virtual discute como a indústria vem incorporando uma visão mais diversa tanto nos jogos quanto no próprio ambiente de trabalho de suas empresas
Por Sérgio Siscaro
Uma das indústrias que tem crescido de forma mais expressiva nos últimos anos é a de jogos eletrônicos. Uma pesquisa feita pela Newzoo, consultoria especializada no setor, indica que o mercado de jogos no Brasil deverá fechar 2021 com uma receita de US$ 2,3 bilhões – o que representaria um aumento de 5,1% na comparação com o ano passado. O mesmo levantamento coloca o país como o 12º maior mercado mundial para games.
Apesar desse avanço, o setor ainda está bastante atrás de outras indústrias em um aspecto essencial: diversidade. A maior parte de seus participantes – de administradores a desenvolvedores de games – ainda é branca e masculina, mesmo com a crescente popularidade dos jogos eletrônicos junto aos mais diversificados públicos. Um estudo conjunto da Newzoo com a Intel, lançado em maio, mostra que 47% dos entrevistados nos EUA não jogam games nos quais eles não se sintam representados; e 54% acreditam que a diversidade é um fator importante para os personagens.
Para discutir o tema, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC) promoveu, em 7 de julho, o webinar em inglês Diversity and Inclusion in the Gaming Industry: XP from Brazil and Canada. A iniciativa reuniu a studio head no Clever Plays Studio, Angela Mejia; a vice-presidente da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames), Carolina Caravana; e a gerente de comunicações para o Brasil e Canadá da Intel, Carolina Gutierrez Prado. Os moderadores do encontro foram dois coordenadores de comissões da CCBC: Raphaelle Lapierre (Diversidade e Inclusão) e Celso Azevedo (Tecnologia).
Incentivo e reconhecimento
Para Caravana, da Abragames, o mercado brasileiro já atende tanto a demanda doméstica quanto a global. E a associação percebeu a necessidade de promover a diversidade, criando um conselho formado por profissionais que atuam no ecossistema de games. “A meta principal é criar um ambiente melhor e mais diverso para as pessoas que atuam nessa indústria”, afirmou. Uma das iniciativas nesse sentido é o Selo de Apoio e Incentivo à Diversidade, um instrumento desenvolvido para prestigiar e evidenciar ações relacionadas à promoção da diversidade na produção de jogos eletrônicos, destacando boas práticas e reconhecendo ações positivas.
A vice-presidente da entidade também citou diversos exemplos de games brasileiros que já incorporam a diversidade em seus temas e personagens. Um deles é o jogo Huni Kuin: Yube Baitana, desenvolvido pela tribo Kaxinawuá, do Acre, e voltado à promoção do conhecimento desse povo. A iniciativa foi reconhecida no BIG Festival na categoria BIG Impact: Best Diversity Game em 2019.
Mudança gradual
Trazendo a perspectiva da indústria canadense de games, Mejia, do Clever Plays Studio, lembrou que o setor é bem forte no Canadá – em especial em Montreal, que é hub para empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos. “Aqui em Montreal temos grandes e pequenos produtores de games, e a questão da diversidade tornou-se um tópico importante. Um dos problemas a ser enfrentado é a questão da participação de mulheres, que não recebem o mesmo tratamento de seus colegas masculinos. Além disso, essa indústria foi desenvolvida por homens brancos – e, consequentemente, a maior parte do conteúdo [dos jogos] representa-os e a suas histórias”, ponderou.
Mas ela ressaltou que, assim como a sociedade em geral, o setor de jogos está mudando, e tornando-se mais atento à necessidade de considerar outras realidades, outros pontos de vista. “Essa questão tem sido abordada especialmente desde 2015, quando houve o escândalo do GamerGate – e esse foi um marco para a indústria. As grandes companhias do setor estão tentando se adaptar à nova realidade, espremida entre a vontade de trazer mais diversidade às suas práticas, e o modelo tradicional de atuar.” O GamerGate foi um movimento que assediava e atacava mulheres e minorias em geral dentro da indústria de jogos.
Diversidade e business
A adaptação do setor às necessidades da sociedade – e, em especial, à pauta da diversidade – tem sido positiva, ainda que haja muito ainda a ser feito. “A indústria tem se aprimorado muito nos últimos dez anos. Muitas empresas estão trabalhando para atender às expectativas de suas audiências. Quando se olha para a diversidade, trata-se não apenas da coisa certa a se fazer, mas também um aspecto positivo para o próprio negócio”, afirmou Prado, da Intel.
Ela lembrou que a empresa criou, em conjunto com Snap, Nasdaq, Dell e NTT Data, a Aliança para a Inclusão Global. O grupo desenvolveu métricas para acompanhar o tema da diversidade no setor, sob a forma de um índice. “Na Intel, há anos olhamos a diversidade como um componente dentro de nossa estratégia de negócios. Buscamos trabalhar com outras empresas, tanto no Canadá quanto no Brasil, e entender como elas estão lidando com esse tema”, complementa.
O fator Covid-19
A discussão sobre a diversidade na indústria dos games ocorre em um momento-chave para o desenvolvimento dessa indústria – especialmente em mercados emergentes, como o Brasil. Isto ocorre por conta do grande crescimento experimentado pelo setor desde o ano passado, e que teve como um dos principais fatores impulsionadores a pandemia da Covid-19 – que levou as pessoas a ficarem mais tempo em casa, e a buscarem formas de entretenimento domésticas.
Segundo a Newzoo, apenas o mercado mundial de games desenvolvidos para telefones celulares movimentaria no primeiro semestre de 2021 cerca de US$ 90,7 bilhões – o que representaria 52% do faturamento total da indústria de jogos eletrônicos. A América Latina contaria atualmente com 289 milhões de gamers (cerca de 10% do total) e a segunda maior taxa de crescimento anual (de 6,2%, abaixo apenas da região do Oriente Médio e África).
Outro estudo, este elaborado pela bandeira de cartões de crédito Visa e divulgado no início deste ano, indicava que, no Brasil, as transações financeiras realizadas em plataformas e consoles de jogos eletrônicos tiveram alta de 140% em 2020, na comparação com 2019. O mesmo estudo também registrou um aumento de 105% no volume de cartões de crédito utilizados para compras de games ou extensões entre outubro de 2019 e setembro de 2020.