Crise gerada por escassez hídrica destaca importância da adoção de tecnologias inteligentes canadenses
Por Sérgio Siscaro
Com a possibilidade de interrupções no fornecimento de eletricidade no horizonte, por conta do atual cenário de escassez hídrica no país, o Brasil pode ter no Canadá um valioso aliado – não só para atrair os investimentos necessários à modernização do setor energético brasileiro mas, sobretudo, pela incorporação de modernas tecnologias que possibilitem uma utilização mais racional da energia elétrica.
As similaridades de Brasil e Canadá com relação à predominância na utilização de energia gerada a partir de usinas hidrelétricas – em ambos os países esta fonte corresponde a cerca de 60% da matriz energética –, bem como as semelhanças em termos de território (países de dimensões continentais, contendo áreas mais isoladas das regiões centrais), fazem com que os desafios enfrentados sejam também parecidos. Assim, soluções desenvolvidas no Canadá fazem sentido para a realidade brasileira – e podem contribuir para elevar o grau de eficiência energética no país.
De acordo com a oficial de desenvolvimento de negócios de energia elétrica do Consulado Geral do Canadá no Rio de Janeiro, Laura Tarouquela Netto, em razão de suas dimensões e do fato de ter um clima desafiador (que eleva o consumo de energia por meio do uso de aquecedores elétricos, por exemplo), o Canadá foi levado a desenvolver tecnologias para tornar mais eficaz a gestão de seu sistema elétrico. “Por meio de soluções diversas, como por exemplo a automação, busca-se facilitar essa gestão – inclusive com o uso de tecnologias de gestão remota, que evite o envio de trabalhadores a campo, por meio de sensores. Há empresas que utilizam soluções de 3D ou realidade aumentada, que permitem uma gestão bastante eficiente.”
Consumo racional
Essa utilização de tecnologias também é utilizada no Canadá pelas operadoras de energia para que possam monitorar o consumo das áreas sob sua responsabilidade por meio de soluções de inteligência artificial, setor que vem se destacando no Canadá. Dessa forma, é possível colocar em prática iniciativas de eficiência energética que possibilitem o uso racional da rede de energia por meio de tecnologias inteligentes – e, assim ter condições de promover iniciativas como descontos para usuários que reduzirem seu consumo.
A necessidade de detectar possíveis falhas na rede de energia também vem sendo conduzida no Canadá por meio de soluções de tecnologia. Um exemplo é o IReQ, instituto de pesquisas mantido pela Hydro-Québec, que desenvolveu robôs para inspecionar as linhas de transmissão. “O desenvolvimento de soluções de inteligência artificial tem se destacado no Canadá. Há vários centros de pesquisa voltados a essa área – como é o caso do Mila, em Quebec, que dispõe de um centro de inteligência artificial e machine learning. E há diversos outros centros voltados especificamente para o setor elétrico, atuando em áreas que vão desde robótica até o desenvolvimento de baterias mais eficientes para armazenamento de energia”, afirma a oficial.
No caso da indústria, tradicionalmente uma grande consumidora de eletricidade, a contribuição canadense poderia se dar por meio da modernização dos motores elétricos – substituindo-os por modelos mais novos e mais eficientes do ponto de vista energético.
Há ainda o uso de tecnologia LED para a iluminação pública – que, no Canadá, já conta com sistemas IoT (Internet das Coisas, em português), que, por meio de sensores, possibilitam monitorar e controlar o tempo em que as lâmpadas ficam acesas, a intensidade da iluminação e a necessidade de manutenção. No Brasil, calcula-se que apenas 10% dos sistemas de iluminação pública tenha sido modernizados – o que abre espaço para a introdução de soluções canadenses também nesta área.
Outras possíveis contribuições ao Brasil podem ser dadas na área de transmissão de energia. Com 9.984.670 km2 de território, o Canadá enfrenta o desafio de levar a energia a províncias mais afastadas, como as do norte do país. “Empresas como a Manitoba Hydro, que atua na geração, distribuição e transmissão de energia, utilizam o sistema HVDC, que permite o envio de quantidades bastante elevadas de energia por meio da transmissão de corrente contínua de alta tensão”, explica a representante do consulado.
Também destinadas a garantir o fornecimento de eletricidade a regiões remotas são as microgrids (microrredes, em português)– pequenas redes locais que utilizam fontes renováveis de energia e baterias. E que também podem ter outras aplicações: “O Canadá tem muita experiência nessa área. O British Columbia Institute of Technology (BCIT), por exemplo, liderou um grupo de pesquisadores canadenses que desenvolveu por mais de dez anos, pesquisas sobre o tema das smart microgrids (microrredes inteligentes), que podem ser utilizados em condomínios, por exemplo, permitindo que sejam conectados ou desconectados da rede elétrica. Inclusive já há iniciativas semelhantes sendo aplicadas no Brasil”.
Momento de investimentos
Devido à atual cotação do dólar no mercado de câmbio, adquirir ativos ou investir no Brasil tornou-se uma opção bastante atraente para o Canadá. Como os projetos relacionados a energia são de longo prazo, as turbulências econômicas ou políticas acabam não se tornando um empecilho para potenciais investidores. E o atual quadro de escassez hídrica no Brasil torna a absorção de tecnologias de eficiência energética uma necessidade urgente.
“Esse movimento também é beneficiado pelo processo de modernização do setor elétrico brasileiro, que hoje conta com a participação de diversos players internacionais. O setor tem crescido muito, sob a supervisão de um órgão regulador sério, que é a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e o planejamento de longo prazo liderado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Também tem aos poucos diversificado sua matriz energética, adotando novas fontes renováveis, como a eólica e a solar. Essas condições atraem os investidores canadenses. E se abre a oportunidade de o Canadá compartilhar com o Brasil sua larga experiência em desenvolver soluções de eficiência energética”, pondera.
De fato, o Brasil tem despertado bastante interesse junto a investidores do Canadá. Em maio, o fundo de pensão dos professores de Ontário, o Ontario Teachers Pension’s Plan (OTPP), adquiriu da gestora TPG Capital o controle da empresa Evoltz, que opera sete linhas de transmissão de energia elétrica no Brasil. Em agosto, a canadense Brookfield Business Partners adquiriu a companhia brasileira de materiais fotovoltaicos Aldo Solar. “Esse movimento reflete a grande demanda por geradores solares, especialmente na região Nordeste – motivada pela crescente alta no custo da energia elétrica para os consumidores”, avalia o vice-presidente da CCBC, Bayard Lucas de Lima.
“Há vários players canadenses que já atuam no setor elétrico – às vezes não como operadores, como é o caso da Brookfield, mas também como investidores. E há também diversas empresas com presença aqui, como a Hatch, a Golder Associates e a SNC Lavalin, entre outras, que contribuem para modernizar o setor elétrico brasileiro”, finaliza a representante do Consulado Geral do Canadá.