cidades ágeis e sustentáveis
Mobilidade, otimização de energia, vida mais saudável, soluções inovadoras e respeito à cultura local — tudo isso faz parte das cidades do futuro
Por Antonio Biondi / Priscila Crispi
De acordo com o Banco Mundial, a demanda global por mobilidade deve dobrar até 2030. Caso se mantenha o padrão atual de deslocamento na maior parte das metrópoles do mundo, haverá muito mais carros circulando nas próximas décadas. Esse tipo de transporte é responsável por 24% das emissões globais de gás carbônico (CO2), de acordo com relatório da Agência Internacional de Energia, e, embora os lockdowns causados pela pandemia de covid-19 em 2020 e 2021 tenham reduzido essas emissões, seu aumento tem sido tão significativo que o Fórum Internacional de Transportes prevê aumento de 16% das emissões de CO2 até 2050.
O que pode ser feito para resolver esse que é um dos maiores desafios atuais dos grandes centros urbanos? E o que deve ser feito para garantir a sustentabilidade das cidades e, consequentemente, sua sobrevivência no futuro? Impulsionadas por novos hábitos de consumo e pelo ativismo de seus cidadãos, iniciativas que reúnem esforços privados, governamentais e internacionais estão em curso, além, é claro, de muita discussão sobre o modelo mais eficiente de cidade para uma mobilidade ambientalmente responsável.
Demanda social
De acordo com dados da Wunderman Thompson, 79% dos consumidores globais afirmam estar interessados em dicas e conselhos de marcas sobre uma vida mais sustentável.
Para responder a essa demanda, em outubro de 2021 o Google anunciou o lançamento de três novas opções ambientalmente conscientes no Google Maps, que incluem roteamento ecológico, navegação voltada a ciclistas e alternativas de micromobilidade.
O uso de aplicativos de mobilidade é muito importante em soluções como mobility as a service (MaaS), conceito que integra a logística de transporte urbano a plataformas digitais que facilitem seu uso. A má notícia é que ele pressupõe políticas públicas de mobilidade para seu funcionamento, pois a tecnologia, por si só, não consegue influir nos padrões de deslocamento em uma cidade.
“O MaaS não se baseia apenas em softwares. Se você quer que os serviços de transporte alternativos ao carro de passeio sejam usados, eles precisam existir e estar disponíveis quando e onde se precisar deles. Os softwares servem apenas para facilitar isso”, ponderou Ronan Perrier, presidente da Arval BNP Paribas, empresa especializada em locação de veículos corporativos, durante o Movin’On Inside, evento de incentivo à inovação para sustentabilidade em mobilidade promovido pela Fundação Michelin.
Mais que digital
Também vinculado à ideia do uso de tecnologias para a gestão das cidades, o termo smart cities tem sido bastante utilizado em discussões sobre urbanismo nas últimas décadas. Especialistas argumentam, porém, que a digitalização das cidades precisa caminhar de mãos dadas com políticas de planejamento e infraestrutura.
“Um exemplo sempre utilizado ao falar de smart cities é o de sensores disponíveis nas lixeiras para tornar inteligente a coleta de lixo. Muitas vezes, você vai encontrar isso em áreas extremamente suscetíveis a enchentes e alagamentos, em regiões nas quais a mobilidade é completamente focada nos carros, etc. Pegando esse exemplo, não acredito que possamos falar em cidades inteligentes apenas pelo uso das tecnologias digitais”, afirma Myriam Tschiptschin, gerente no Centro de Tecnologia de Edificações (CTE). Atuando no setor de construções, o CTE é responsável por empreendimentos e projetos urbanísticos voltados à sustentabilidade, como o Porto Maravilha, no Rio de Janeiro.
Myriam explica que, no desenvolvimento de projetos de cidades inteligentes, a empresa enfoca nove objetivos, que compreendem eficiência energética, governança, saúde e bem-estar, entre outros. A aplicação de soluções para mobilidade e acessibilidade é um desses eixos centrais para que uma cidade seja verdadeiramente smart. “Creio que, ao pensarmos em cidades inteligentes para o futuro, temos que levar em conta a questão da infraestrutura da mobilidade à luz das desigualdades e da segregação nos centros urbanos. Precisamos atuar para desenvolver cidades mais inclusivas e mais humanas, e não podemos deixar de pensar nas mudanças climáticas e na necessidade de cidades mais resilientes a essas mudanças”, defende.
Para Paulo Rizzardi, professor e fundador da empresa Wise Innovation, é preciso ir além — pensar em cidades sábias, não só inteligentes. O conceito de wise cities privilegia a vocação de cada território para explorar potencialidades no desenvolvimento de uma estratégia de inovação. Cidades sábias levam em conta conhecimentos acadêmicos, políticos, populares e históricos, reunindo todos os atores sociais na escolha de soluções que se apliquem ao contexto local.
“Indiscutivelmente, dentre os desafios que surgem em um mundo pós-pandêmico, o objetivo de desenhar e implementar uma estratégia bem-sucedida de mobilidade exigirá sabedoria. Percebo a revolução da mobilidade através de três grandes fenômenos: micromobilidade, com a vida acontecendo nos bairros; tecnologia e transformação digital; e sustentabilidade. A sugestão é iniciar compreendendo a necessidade de cada cidade e a disponibilidade dos cidadãos em utilizar novas formas de transporte”, aponta Paulo.
Exemplo canadense
Considerado um dos pioneiros mundiais na criação de smart cities e no desenvolvimento de soluções para mobilidade, o Canadá não apenas desenvolve tecnologias e infraestrutura, mas também apresenta modelos inovadores de gestão e planejamento, o que, na visão de Armínio Calonga Júnior, responsável pela área de Desenvolvimento de Negócios da CCBC, é uma das principais ferramentas que o país tem a oferecer a gestores brasileiros.
“O Canadá e o Brasil têm alguns desafios em comum, como a extensão geográfica, áreas remotas e grandes aglomerações urbanas. Sabemos que eles têm boas soluções para mobilidade, o Brasil tem demandas e nós temos condições de fazer essa ponte, tropicalizando os modelos e trazendo-os para nossa realidade. Por isso, vamos realizar, neste ano, uma missão que vai focar não só soluções em tecnologia, mas buscará entender o todo — quais planos dos governos federal, provinciais e municipais canadenses para os próximos anos traçam as metas para o desenvolvimento das smart cities”, conta.