Mercado de startups de regulamentação cresce na esteira das exigências regulatórias e de compliance, especialmente no setor financeiro
Por Estela Cangerana
A crise financeira global que explodiu em 2008 e o endurecimento das exigências regulatórias e de compliance no setor abriram as portas para o surgimento de um novo e promissor nicho de mercado: o das regtechs. Nascidas do termo Regulatory Technology (Tecnologia Regulatória), essas startups estão cada vez mais desvinculadas das fintechs (startups financeiras) e devem movimentar um mercado de bilhões de dólares nos próximos anos, segundo estimativas de analistas do setor. E, mesmo que você nunca tenha ouvido falar sobre as regtechs, é bem provável que uma delas esteja por trás do sistema que garantirá o cumprimento das regras anticorrupção e conformidade da instituição financeira da qual você será cliente no futuro.
“As regtechs são um fenômeno separado das fintechs e têm mostrado que podem contribuir para baratear os serviços bancários”, afirma a advogada Ana Sofia Monteiro, do escritório Monteiro & Monteiro Advogados. Na prática, essas startups trazem soluções tecnológicas que automatizam os processos de cumprimento das regulamentações e determinações de compliance, utilizando recursos como inteligência artificial na transformação digital, análise de dados e machine learning. O resultado são transações com menos riscos, mais rápidas e mais baratas em comparação aos métodos anteriores.
A redução de custos é relevante. “Atualmente, cerca de 20% dos funcionários das instituições financeiras estão alocados para compliance e regulação”, aponta Álvaro Taiar, sócio da consultoria PwC e líder de New Ventures and Innovation. Além disso, ele destaca que a pesquisa Fintech Deep Drive, realizada no ano passado pela PwC com cerca de 300 fintechs, indica que a grande maioria delas gostaria de fazer parceria com os bancos, mas isso significa seguir todas as exigências da complicada regulamentação do setor.
Mais regras, mais oportunidades
É um mercado enorme. “As regras de compliance surgidas pós 2008 fizeram com que ficasse difícil fazer negócios no setor financeiro. Começou a se perder muito tempo nas fases de pedir documentações e comprovações nas transações para atender as exigências. Cumprir todas elas se tornou um desafio”, diz a empreendedora Ingrid Barth, diretora executiva da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). “O novo compliance bancário é realmente um tema desafiador e efetivamente novo. As atividades financeiras já são tradicionalmente reguladas, e quanto maior o risco, mais rígidas são as regras”, complementa o professor Newton de Lucca, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Para os especialistas, esse contexto potencializa a importância das regtechs, que têm o papel de mostrar até onde a tecnologia pode ajudar a cumprir o que o regulador quer, com tranquilidade e segurança. “As regtechs precisam estar atentas a tudo para ver as falhas e cumprir as regulações”, aponta Carl Amorim, country executive do Blockchain Research Institute Brasil.
Em um mercado bilionário e com um volume absurdo de transações diárias, como o financeiro, as startups de regulação terão condições de, em um futuro próximo, desempenharem uma função maior do que apenas executoras de protocolos. Para Stephan Krajcer, CEO e fundador da Cuore Plataform (empresa de tecnologia no mercado financeiro), “as regtechs devem atuar de maneira a ajudar a atualizar as normas de forma viável e ainda têm um papel educativo, de fazer a ponte entre a tecnologia e o regulador”.
É um mercado do qual ainda vamos ouvir falar muito, de acordo com o advogado especialista no setor, Leornado Cruz, sócio do Pinheiro Neto Advogados. “É a inovação sem perder de vista no horizonte de que existem regras e elas estão ali por alguma razão. Preocupações sistêmicas e regulatórias existem e é preciso estar atento a elas. Vejo grandes oportunidades para as regtechs”, afirma.
Os especialistas discutiram o tema durante encontro promovido pela Comissão de Assuntos Jurídicos da CCBC, coordenada pelo advogado Alberto Murray, do escritório Murray Advogados. Saiba mais sobre as iniciativas da Comissão aqui.