Decolando para o futuro

Para o vice-presidente de vendas internacionais da Air Canada, o brasileiro Virgílio Russi, chegou a hora de renovar os padrões que moldam a aviação e os negócios

 

por Andréa Ciaffone

Como seres humanos, estamos decolando rumo a novos tempos e necessitamos de novas rotas, porque os mapas mudaram, os equipamentos são outros, e precisamos de velocidades cada vez maiores para chegar ao destino. Nesse contexto, toda a experiência das últimas décadas deve ser alinhada com as percepções do que o futuro próximo nos trará. A partir dessa visão, o vice-presidente de vendas internacionais da Air Canada, Virgílio Russi, vem pilotando a retomada da empresa no mercado mundial.

Brasileiro, ainda adolescente Russi se identificou com o Canadá durante um intercâmbio em Winnipeg. Cursou administração de empresas na Universidade de São Paulo e, desde os anos 1990, atua no setor de viagens e turismo. Como vice-presidente, ele é responsável pelas vendas internacionais da Air Canada em escala mundial e, com sua equipe, determina o futuro da empresa aérea por meio das suas escolhas de rotas e destinos. Segundo Giancarlo Takegawa, country manager da empresa no Brasil, Russi é um exemplo de capacidade de gestão combinada com uma excelente percepção de contextos aliada a muita empatia. “Ele foi meu primeiro chefe na Air Canada, e nossa parceria atravessa décadas”, diz Takegawa.

Dizem que a humanidade avançou mais nos últimos 30 anos do que nos 3.000 anteriores. Como isso se reflete na sua jornada trabalhando na aviação?

Vivi intensamente a transformação do mundo da aviação. Comecei na Canadian Airlines, que era muito ligada à American Airlines (AA). Com a criação da Star Alliance, em 1997, os competidores, liderados pela AA, começaram a se movimentar no sentido de criar outra aliança, a OneWorld, que começou suas atividades em 1998, e eu vivi esse processo bem de perto. Pouco depois, no ano 2000, a Air Canada comprou a Canadian Airlines em um processo de fusão que durou o ano todo e se completou no início de 2001. Era uma época de muitas consolidações em todos os mercados. Passei, portanto, por duas concordatas, uma fusão, a crise do 11 de Setembro e a crise da SARS [sigla em inglês para “síndrome respiratória aguda grave”, considerada a primeira pandemia do século 21 e sem casos relatados desde 2004], que teve seu epicentro ocidental em Toronto. Nessa época, como o tráfego acabou, a Air Canada entrou em concordata. Como executivo, eu vivi tudo isso. Em 2005, eu me mudei para o Canadá para trabalhar no head office, o que, também, me trouxe novas perspectivas.

Como você vê a relação entre o global e o local na Air Canada?

 Quando eu assumi a direção de vendas para o Canadá, que inclui todas as rotas domésticas, foi uma experiência totalmente diferente porque significou estar no escritório matriz da empresa cuidando do seu principal mercado, o interno, que em volume de rotas representa 50%, enquanto o internacional responde por 30%, e os Estados Unidos, por 20% dos voos. Ter um brasileiro em uma companhia canadense, cuidando de mercado interno, deixa clara a filosofia de meritocracia da Air Canada. Isso chega a surpreender pessoas de outras culturas, mas faz todo sentido na estrutura social e corporativa canadense. Ser estrangeiro no Canadá não significa nada. Atualmente, no escritório central, em Toronto, temos cerca de 400 pessoas, e pelo menos 20 idiomas são falados lá. O Canadá é multicultural. Prova disso é que, enquanto o mercado interno representa 50% dos voos, o internacional representa 50% do faturamento — por isso, o foco tem sido crescer mais nesse segmento para blindar a empresa contra alguma instabilidade interna e dar mais flexibilidade e resiliência para a companhia.

Como era o cenário anterior à pandemia de covid-19 e o que aconteceu a partir de março de 2020?

De 2016 a 2017, com a chegada dos novos Boeing 777 e 787, tivemos um crescimento fantástico! Começamos a operar em 34 novos destinos e estávamos entre as empresas que mais cresceram naquele período. Como consequência, a performance das ações da companhia na Bolsa de Toronto foi a melhor em dez anos — coisa rara para um segmento tradicional e de alto risco como a aviação. O feito é ainda mais significativo quando se considera que o Canadá tem grandes empresas tanto em setores internacionais, como mineração e energia, quanto em startups de alto valor, ligadas à vanguarda da tecnologia. O motor disso foi a área internacional.

Fechamos 2019 com uma reserva de CAD 6 bilhões, estávamos muito bem estruturados financeiramente. Chegamos a receber críticas por estarmos sentados em tanto dinheiro. A resposta na época foi que, se encontrássemos o investimento certo, a reserva seria aplicada. Ter esse capital nos ajudou muito na pandemia e foi fundamental para conseguir os empréstimos de que precisávamos para manter a empresa durante os períodos de lockdown. Inicialmente perdemos muito dinheiro, cerca de CAD 1 milhão por hora, mas o prejuízo vem sendo continuamente reduzido. No último trimestre de 2021, ficou em menos de CAD 6 milhões por dia, ou seja, um quarto do que perdíamos em 2020. Graças às reservas, também conseguimos também reduzir o custo financeiro, e hoje temos uma reserva ainda maior: CAD 8,5 bilhões.

« De 2016 a 2017 tivemos um crescimento
fantástico! Começamos a operar em 34 novos
destinos e estávamos entre as empresas que mais cresceram naquele período »

A aviação é um exercício de expectativa condicionada pela experiência, e prever o futuro é parte do negócio. De repente, surge a pandemia: como foi esse impacto?

 De uma hora para outra caímos para 10% do nosso schedule e 5% da nossa demanda. Chegamos a avaliar se pararíamos completamente as operações, mas chegamos à conclusão de que seria mais difícil recomeçar do zero. Mantivemos pouquíssimos voos domésticos e algumas ligações essenciais — Londres, Paris, Hong Kong — e, a pedido do governo, realizamos dezenas de voos de repatriação, porque a gente teve que trazer para casa canadenses do mundo inteiro. Foram meses fazendo esses voos que não eram comerciais, eram humanitários e vinham lotados de todas as partes do mundo: Marrocos, França, Itália, Chile, Peru, Brasil. Em paralelo, várias aeronaves de passageiros eram convertidas em cargueiros para transportar equipamentos de proteção como máscaras e aventais e, depois, as vacinas. Fizemos cerca de 11 mil voos de carga durante a pandemia para poder manter ativa a cadeia de suprimentos. Em tempos normais, a empresa faz 10 mil voos de passageiros por mês. Podemos dizer, portanto, que estávamos fazendo menos de 10% do normal e transportando carga em vez de passageiros. Era uma inversão total da nossa rotina, mas era a melhor forma de atender à demanda do período de isolamento. O efeito dessa mudança foi que a Air Canada, que não atuava em cargas, agora está nesse mercado —  pelo menos oito aeronaves Boeing 767 da nossa frota, que são modelos mais antigos, deixarão de atender passageiros e serão convertidas para carga. Realmente a crise da pandemia abriu essa oportunidade para um novo negócio.

 Depois desse choque, quais foram os aprendizados?

 Em aviação sempre trabalhamos em gestão de faturamento na comparação com o passado e, de repente, não havia parâmetro de comparação! Toda a experiência e referenciais se dissolveram diante da pandemia. A pergunta era “como vai ser na semana que vem?”, e não havia como comparar aquela semana à mesma semana de anos anteriores para adequar a demanda. Então, criamos na Air Canada uma nova área, encarregada de fazer as previsões a partir de outros elementos. Eles olham absolutamente tudo! Por exemplo, criaram um índice matemático para quantificar as mudanças de demanda baseado nas restrições de cada local; uma fórmula para calcular a demanda conforme o nível de vacinação de cada país — em detalhe, como faixa etária, número de doses, as várias curvas de contágio e hospitalização, etc., e tudo isso para fazer uma projeção de demanda mais baseada no futuro do que nos referenciais passados. No começo foi difícil, mas até agora as previsões têm sido bem corretas.

« O nosso futuro é 100% customer centric, o que é uma mudança grande no contexto das companhias aéreas, mais focadas em operação do que em serviço. Tudo o que fazemos precisa estar alinhado com os desejos e valores do cliente »

Como foram estabelecidas as novas prioridades da Air Canada?

Fizemos tudo baseado nesse grupo de estudo, chamado Demand Recovery Group; essa área tem ajudado muito os departamentos comercial e operacional a seguir o mesmo rumo. Para chegar às tendências, fazemos entrevistas, analisamos a atividade dos setores, enfim, usamos uma série de indicadores para entender de onde e de que tamanho virá a demanda. Por exemplo, acreditamos que cerca de 20% do mercado corporativo adotará as videoconferências em suas reuniões semanais e mensais internas, em detrimento das viagens. Por outro lado, acreditamos que visitas a clientes e parceiros continuarão a ser feitas presencialmente, porque as pessoas precisam dessa química para gerar novos negócios. Esse foi o caso do Brasil. Quando reabrimos os voos, em 7 de setembro de 2021, a demanda subiu imediatamente. Saltamos de 15% de ocupação para 100% — reação imediata! Em outros mercados, houve muito mais cautela.

Que valores moldarão o futuro da Air Canada?

O cliente. Tudo o que temos falado atualmente consiste em construir estratégias e serviços voltados para o cliente. O nosso futuro é 100% customer centric, o que representa uma mudança grande, porque as companhias aéreas sempre se viram mais como empresas de operação do que de serviço. Hoje, ficou claro que tudo o que fazemos precisa estar alinhado com os desejos e valores do cliente.

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