Pesquisa mostra que maior utilização do método por entes ligados ao governo veio para ficar
Por Sérgio Siscaro
Ao longo dos últimos anos observa-se a crescente utilização da arbitragem como método para resolução de conflitos na administração pública. A partir da lei 13.129/2015, que alterou a Lei da Arbitragem (lei 9.307/1996) ao autorizar formalmente a utilização do método, a arbitragem passou a ser cada vez mais considerada por órgãos ligados ao governo. Esta tendência foi capturada na última edição da Pesquisa sobre Arbitragem em Números e Valores, realizada anualmente pela advogada e professora Selma Lemes. A última edição, finalizada em dezembro, traz os resultados de 2019 e compara-os com os do ano anterior.
O levantamento mostra que foram iniciados 48 novos procedimentos arbitrais envolvendo entes da administração pública, direta e indireta, em sete das oito câmaras de arbitragem analisadas. Esse número equivale a 16,66% de todas as arbitragens novas registradas naquele ano nessas câmaras, e representa um crescimento da ordem de 6,73 pontos percentuais com relação à participação que esses procedimentos tinham em 2018 (9,93%).
De acordo com Lemes, esse resultado decorre dos contratos de parcerias público-privadas (PPPs) e de concessões públicas, cujas cláusulas contém dispositivos que preveem a utilização da arbitragem para solucionar eventuais conflitos entre as partes. “Esses contratos são muito complexos; sua engenharia financeira os equipara a contratos privados. E hoje há uma predominância do direito administrativo consensual, no qual os contratos na seara pública se equiparam cada vez mais às regras do direito privado, ainda que sem abrir mão de algumas características próprias”, explica.
Haveria ainda uma mudança cultural na administração pública, que vem aderindo cada vez mais à arbitragem. “Há todo um desenvolvimento acadêmico reforçando esse entendimento. O próprio Estado compreende melhor como a arbitragem funciona, e a doutrina do direito administrativo vem se flexibilizando”, afirma. Segundo a professora, o elevado grau de profissionalismo das câmaras brasileiras também contribui para que o poder público utilize o método em suas disputas – e a tendência de crescimento na adoção da arbitragem nesses contratos deverá continuar no futuro.
“A crise trazida pela Covid-19 afetou bastante as áreas servidas por concessões públicas, levando à necessidade de se buscar o reequilíbrio financeiro dos contratos. Se não se atingir um acordo, o caso deve ser solucionado por meio da arbitragem”, pondera. Ela lembra o caso do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP) – que teve seu processo de arbitragem aberto para resolver as disputas entre o governo e a concessionária Aeroportos Brasil Viracopos (ABV), controlada pela UTC e pela Triunfo.
O CAM-CCBC dispõe de uma secretaria específica para administrar arbitragens envolvendo o poder público, as quais são reguladas por meio de suas próprias Resoluções Administrativas.
Resultados da pesquisa
O estudo feito por Selma Lemes é centrado nas oito principais câmaras de arbitragem em funcionamento no Brasil – além do CAM-CCBC, o levantamento analisou os dados do Centro de Arbitragem da Amcham Brasil; da Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem de São Paulo (CAM-Ciesp/Fiesp); da Câmara de Arbitragem do Mercado – B3 (CAM-Mercado); da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI); da Câmara de Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas (CAM- FGV); do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA); e da Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb). As informações comparam os anos de 2018 e 2019 – antes, portanto, da disseminação da pandemia da Covid-19 no país e de seus efeitos sobre as atividades dessas instituições.
Segundo o levantamento, houve um ligeiro decréscimo no volume de novas arbitragens entre 2018 e 2019, que passou de 292 para 289 procedimentos (redução de 1%); no entanto, o número total de casos em processamento aumentou 7,2%, de 902 para 967. Em termos de valores envolvidos, verificou-se uma retração de 25,2% – de R$ 81,44 bilhões para R$ 60,91 bilhões. A câmara que registrou o maior número de novas arbitragens em 2019 foi o CAM-CCBC, que respondeu por 33,56% dos casos.
O ano de 2019 também se caracterizou pela predominância de casos envolvendo matérias societárias, seguida de procedimentos relativos a contratos de construção civil e energia. Além disso, registrou-se um aumento na participação de árbitros estrangeiros em arbitragens com partes brasileiras. No CAM-CCBC essa alta foi de 35%. De acordo com o estudo, isso explica-se pelo aumento no volume de contratos internacionais.
Tendências de mercado
No entendimento de Lemes, os resultados revelados pela pesquisa deverão ter se mantido ao longo de 2020, mesmo com o cenário impactado pela disseminação da pandemia do novo coronavírus. “A utilização da arbitragem tende a se manter nesses patamares. Mas há possíveis fatores novos que podem beneficiá-la. No ano passado, houve a necessidade de se utilizar tecnologias virtuais para realizar os procedimentos de arbitragem – o que representou uma economia considerável de tempo e recursos financeiros. Eu acredito que, no futuro, voltaremos a ter audiências arbitrais presenciais, mas serão esporádicas”, avalia.
A professora também ressalta o aumento do número de árbitros estrangeiros em procedimentos realizados no Brasil – o que sugere um crescimento no volume de contratos internacionais. “Isso é muito bom. Esses árbitros têm outra forma de analisar as questões que são tratadas.” Outra tendência é o aumento do financiamento por terceiros (assistência, amicus curie etc.) – que aumentou 50% (de dez para 15 casos).
“Esse aspecto relaciona-se com outra questão: a necessidade de se atualizar as regras de arbitragem, a fim de que possam acompanhar o grau de sofisticação dos contratos. Sem se mexer na legislação, estão sendo introduzidas alterações pontuais, por meio das quais as câmaras têm mais condições de atender às necessidades do mercado”, finaliza.